Destruição permanente

Não é a tarefa mais simples explicar o conflito nos Bálcãs. Confesso que por muitos anos fiquei sem entender e sem tentar entender o que acontecera lá. Eu até me esforcei no início, mas duas semanas depois já não sabia quem tinha começado a guerra, quem era certo, quem era errado. Há cerca de 10 anos, quando comecei a faculdade de jornalismo, voltei a ler sobre o assunto e desde quando se iniciou o projeto Sociedade Dividida, passei a pesquisar sempre que possível.

A Ex-Iugoslávia sempre foi um destino certo desse projeto. Em 2014 visitei Eslovênia e Croácia, e este ano visitei a Sérvia. No primeiro, são poucas as lembranças da antiga nação comandada por Joseph Broz Tito, general esloveno, chefe supremo do país desde o fim da segunda Guerra até 1980, ano de sua morte, muito menos dos conflitos dos anos 90 (a Eslovênia enfrentou uma guerra de 10 dias com a Sérvia que causou danos mínimos). Talvez até pela maior proximidade com a Europa Ocidental, idioma mais distante do falado pelas outras repúblicas (a Macedônia também tinha diferenças). Na Croácia ainda há lembranças do período comunista, mas com exceção de Vukovar (onde ainda há uma antiga torre bombardeada) não há muita lembrança da guerra. Com Belgrado é diferente. Até hoje prédios bombardeados pela Otan no ataque de 1999, durante a guerra do Kosovo, estão lá, como ficaram após as explosões. Eles justificam dizendo que não se pode mexer nas bombas por conta de alguns elementos químicos que elas continham, mas a população diz que é para que o ataque não seja esquecido.

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Prédio em ruínas em uma das principais avenidas de Belgrado, Sérvia (Foto Raphael Lima)

Na minha visita, em novembro de 2015, havia várias faixas de protesto contra a Otan, exigindo justiça pelas mortes de inocentes no bombardeios. Aliás, em dezembro, mais protestos aconteceram em Montenegro, pelo mesmo motivo, mas com o agravante da possibilidade do país se tornar membro da mesma Otan que bombardeou o país em 1999, por conta da aliança com a Sérvia.

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Faixas de protesto contra a Otan em frente a assembléia (Foto Raphael Lima)

Breve resumo do conflito nos bálcãs

Em 1991 a Iugoslávia começou a se desintegrar. Mas a primeira faísca para a separação foi acesa em abril de 1987. Após 35 anos sob o comando do Marechal Josip Tito, morto em 1980, e outros sete onde prevaleceu o lema a “fraternidade e unidade”, a ex-república começou a ruir. Naquele ano, Slobodan Milosevic, líder nacionalista sérvio, foi enviado ao Kosovo, região dividida entre os muçulmanos albaneses e nacionalistas da Sérvia, para mediar um conflito entre os dois grupos. Milosevic então aceita o diálogo com os sérvios, que se diziam discriminados na região, violando as regras da época de Tito. Durante uma reunião, os ânimos se exaltaram.

“Quanto mais insultavam os albaneses, mais aplausos. O ambiente estava envenenado. Milosevic tramava algo”, disse em entrevista o líder comunista albanês Azem Vllasi.

Do lado de fora da reunião, sérvios iniciam um ataque aos policiais, jogando pedras. Os policiais contra-atacam e, após o fim do encontro, Milosevic toma partido dos sérvios e, em entrevista à TV, diz:

“Não voltarão a bater-lhes de novo”.

A partir daí é criado um ambiente de hostilidade, que é ainda mais aguçado pelas reportagens da TV sérvia. Milosevic pede então que o exército iugoslavo vá para Kosovo e começa a bater de frente com o então presidente sérvio Ivan Stambovic, que acaba renunciando ao cargo após perder o apoio do partido. Com o passar dos anos, Milosevic consegue o domínio político de Montenegro, região satélite sérvia, de Vojvodina e de Kosovo, após a queda de Azem Vllasi, que é acusado por Milosevic de rebelião contra ele após uma greve geral dos albaneses em fevereiro de 1989. Na mesma data, sérvios de Kosovo foram à capital iugoslava Belgrado pedir ao parlamento estado de emergência na nação de maioria albanesa, a mando de Milosevic, que foi claro:

“Os que estão por trás da greve serão punidos”

O então líder esloveno, Milan Kucan, se manifestou a favor dos grevistas:

“Eles não só defendem o direito dos albaneses em Kosovo como também defendem a Iugoslávia e cada república, incluindo a Eslovênia.”

Após a declaração do líder esloveno, a TV sérvia mais uma vez agiu em defesa de Milosevic, mostrando o discurso de forma a inflamar a população. Isso fez com que o comitê federal aprovasse o estado de emergência em Kosovo. No dia seguinte todo o poder foi entregue à Sérvia e Azem Vllasi foi preso. Mais uma vez Milan Kucan foi contra Milosevic.

Em janeiro de 1990 Milosevic convocou um congresso extraordinário do partido comunista Iugoslavo para derrubar Kucan. Todas a emendas eslovenas foram negadas. Cyril Ribic, membro da delegação eslovena declarou:

“Temos que deixar o partido comunista da Iugoslávia”.

Após a declaração, todos da delegação abandonaram o congresso. Ivica Racan, líder croata, disse ser inaceitável um partido sem os eslovenos e também abandonou o congresso com sua delegação.

“Foi assim que o colapso da Iugoslávia começou”, disse Milosevic.

Ainda em 1991, Franjo Trudjman é eleito presidente na Croácia. A polícia da cidade de Knin, em Krajina, região de maioria sérvia, não reconhece o presidente e a bandeira croata. Eles consideram a bandeira um símbolo da época dos nazistas, já que nacionalistas croatas apoiaram Hitler na segunda guerra. A situação se agravou quando os sérvios começaram a cercar as cidades de maioria sérvia. Simultaneamente, croatas começaram a contrabandear armas para uma possível guerra. A Sérvia exigiu a entrega das armas e o primeiro ministro croata, Stipe Mesic declarou:

“Vocês terão que nos desarmar a força”

Após as ameaças, um episódio de traição fez com que a TV Sérvia divulgasse um vídeo onde aliados do presidente croata negociavam o contrabando de armas. Trujdman foi a Belgrado e prometeu a prisão dos envolvidos. Ao voltar para a Croácia, a população já havia decidido apoiar a independência e o presidente, ao invés de prender, deu imunidade aos envolvidos.

Protestos tomaram as ruas e o General Kadijevic, ministro da defesa iugoslavo, convocou uma reunião com líderes para instalar estado de emergência em todo o país. A proposta foi negada pelos líderes das repúblicas e, em junho de 1991, Croácia e Eslovênia declaram a independência da Iugoslávia.

Depois disso iniciou-se a guerra de independência da Croácia, seguida da sangrenta guerra de independência da Bósnia, o país com 3 maiorias – 43% de muçulmanos, 35% de sérvios ortodoxos e 18% de croatas católicos-romanos. Sarajevo, a capital , foi dividida. Muçulmanos no Centro, sérvios nos subúrbios e nas colinas. Radovan Karadizic ameaçou extinguir os muçulmanos em um discurso no parlamento. O exército sérvio invadiu a Bósnia e durante 3 anos seguintes foram mortos 200 mil bósnios, 2 milhões foram desalojados e república Bósnia dividida em 3. Durante o conflito, um dos episódios mais graves ocorreu num enclave muçulmano numa região servo-bósnia: Srebrenica. Lá, cerca de 8 mil pessoas foram assassinadas no que ficou conhecido como o genocídio de Srebrenica.

Com os anos conturbados do conflito na Bósnia e as atenções internacionais todas voltadas para lá e em determinado momento para o conflito em Ruanda (1994), a província do Kosovo entrou em uma crise ainda maior, com aumento do desemprego e dos abusos dos direitos humanos. Em 1998, quando os ânimos entre o Exército de Libertação do Kosovo (de 1993) e o governo sérvio já estavam mais que exaltados, uma visita do secretário de Negócios Estrangeiros do Reino Unido à Sérvia elevou o conflito para o nível externo, o que fez com que os olhos da diplomacia internacional se voltasse novamente para a região.

Ibrahim Rugova, então presidente do governo paralelo kosovar, passou a dialogar diretamente com os americanos. Na ocasião, Madeleine Albright, então secretaria de Estado dos EUA, sugeriu ameaças com uso da força a Milosevic. Iniciou-se então um diálogo entre Milosevic e Rugova que logo foi interrompido por ataques tanto por parte dos sérvios como das guerrilhas kosovares. Kosovo usava muitas vezes do terrorismo enquanto a Sérvia respondia com mais forças de ocupação na província. Para Richard Holbrooke, enviado especial do governo americano ao Kosovo, esse fato atingia os objetivos dos guerrilheiros kosovares, uma vez que impedia uma solução política e cada vez mais envolvia a Otan, que em março de 1999 iniciou a agressão na Sérvia e em Montenegro, contestada até hoje pela opinião pública internacional.

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